domingo, 14 de setembro de 2008

Exaltação da Cruz


"Se alguém quiser seguir-Me,
tome a sua cruz e siga-Me."

1 comentário:

Anónimo disse...

HOMILIA DO CARDEAL PATRIARCA

“Se alguém quiser ser Meu discípulo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mc 8,34)

Nesta solene Liturgia, a Igreja toda, nos quatro cantos da terra, reúne-se em silêncio, recolhida e adorante, para Vos seguir no Vosso caminho da Cruz, Senhor. Porque é viva a fé com que acreditamos em Vós, porque já nos fizeste saborear a doçura do Vosso amor, este silêncio é carregado de gratidão. Nós sentimos hoje, como se fosse a primeira vez, que a Vossa entrega generosa ao sacrifício, cada passo dado, cada dor sofrida, cada vexame perdoado, O fazeis por nós, com um amor infinito, para que vençamos o pecado e nos abramos à vida. No Vosso caminho da cruz, nós revivemos o drama da nossa existência, os nossos sofrimentos, os nossos desejos não realizados, as nossas infidelidades, os momentos de desânimo e de obscuridade, os nossos silêncios cúmplices, que sabem a negação. Mas quando cruzamos o nosso olhar com o Teu, e contemplamos o Teu rosto desfigurado, ele comunica-nos a esperança de vencer, a consolação do perdão, o convite a seguir-Te confiadamente, e na luz dessa esperança brilha já no nosso coração, a luz da Tua ressurreição, que nos abre definitivamente para a esperança da vida. Contemplando a Tua Cruz, sentimos a densidade da gratidão pela intensidade com que nos amas. Ajuda-nos, Senhor, a unir este sentimento de gratidão ao louvor que Tu próprio dás a Deus Pai, na Tua obediência e fidelidade. Nós queremos, Senhor, que unidos a Ti, no Teu percurso de redenção, a nossa gratidão seja louvor à Trindade Santíssima.

Senhor! Hoje queremos seguir-Te, passo a passo, desde a Tua prisão, no Jardim das Oliveiras, até à Tua sepultura, apressada, mas respeitosa, envolvida pela ternura sofrida de um discípulo. E ao acompanhar-Te nesse percurso de fidelidade e de amor, sentimos um desejo renovado de sermos Teus discípulos. Queremos responder com uma sinceridade purificada, ao Teu convite para Te seguir. Nós queremos seguir-Te, Senhor. Será a expressão, ainda tímida, da nossa gratidão e do nosso amor. E é nessa disposição de conversão com que hoje Te seguimos, que ecoam, no nosso íntimo, palavras já ouvidas e tantas vezes esquecidas, aquelas que um dia disseste aos Teus discípulos, para que não se iludissem e soubessem o que os esperava indo conTigo. “Se alguém quiser vir atrás de Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mc 8,34).

Ao acompanhar-Te no caminho da Tua paixão, era inevitável recordar estas Palavras. Elas atingem-nos na sua exigência, quase perturbam o nosso coração vacilante. Não basta a Tua Cruz, Senhor? Não é suficiente a unção com que Te seguimos? É mesmo preciso acompanhar-Te, carregando a nossa cruz? Nós não temos a Tua força, que Te vem da Tua intimidade com o Pai e a nossa cruz não terá a fecundidade que tem a Tua, para a redenção do mundo. Será mesmo preciso, Senhor, para Te seguir como discípulos, carregar a nossa cruz como Tu carregas a Tua? Estamos enfraquecidos pela nossa tibieza, neutralizados pelo nosso medo do sacrifício, o receio de não sermos capazes, a tentação de desistir e voltar para traz, ou ficarmos paralisados, esmagados pelo desânimo. É mesmo preciso, Senhor?

O Teu silêncio diz-nos que sim, e sentimos o Teu convite para abraçarmos a nossa cruz no mesmo abraço com que carregas a Tua. Nós queremos seguir-Te, Senhor! E a primeira reacção é olhar para a nossa cruz. Fizemos tudo para a esquecer, mitigar e minimizar. Tu sabes que vivemos num tempo em que se procura evitar o sofrimento e a dor. O mundo não nos ajuda a amar o sofrimento. Não somos capazes de o evitar, mas esquecemo-lo e silenciamo-lo. Tentamos fingir que ele não existe.

Há, é certo, o sofrimento dos nossos irmãos. E esse atinge proporções dantescas, neste momento presente em que vivemos. Tu conheces os pobres abandonados, os doentes esquecidos e solitários, a ansiedade dos desempregados, os receios de quem é julgado pela justiça deste mundo. E as vítimas inocentes, sacrificadas aos milhares, na lógica irracional da vingança e do domínio, das guerras evitáveis, da perseguição injusta, da opressão da liberdade e da dignidade. Queres que todos esses Te sigam, hoje, com a Sua cruz? O mundo e a história ficarão, assim, envolvidos por um cortejo de cruzes, em que se eleva a Tua, como Rei e Senhor, Pontífice e Sacerdote, lembrando ao mundo que só respeitando o sofrimento humano, ele avançará para a liberdade.

Mas essa multidão imensa de crucificados, eles não vão poder seguir-Te, Senhor, abraçando, cada um, a sua própria cruz. Uns não Te conhecem, outros não têm coragem, porque estão esmagados pela dor. E Tu sabes bem que o sofrimento humano, quando é muito e não é amado, acaba por corroer o próprio sentido de dignidade. Eles não vão todos seguir-Te, Senhor! Que queres que façamos por eles, nós que estamos dispostos a seguir-Te, cada um com a própria cruz? Não nos digas que estás à espera que sejamos nós, Teus discípulos, a carregar a cruz de todos esses nossos irmãos, que, ou não Te conhecem, ou estão tentados a desistir, esmagados pela dor! Já percebemos! Tu não queres que nenhuma cruz fique para trás, porque as queres oferecer todas ao Pai, para redenção do mundo, na mesma liturgia em que Tu Te ofereces. Mas é demais, Senhor, carregarmos, para Te seguir, com todo o peso do sofrimento da humanidade, para o oferecermos conTigo a Deus. Não basta que Tu o faças? O Profeta anunciou que Tu o farias: “Ele suportou as nossas enfermidades e tomou, sobre Si, as nossas dores” (Is 53,4).

E foi, então, que neste exigente caminho da Cruz, em que queremos seguir-Te como discípulos, que recordámos outra Palavras Tua: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos” (Mt 11,28). Afinal, se Te seguimos, és Tu que carregas a nossa cruz, Senhor! Convidas-nos a seguir-Te, porque queres reunir na Tua Cruz todo o sofrimento do mundo. Tu sabes que sem amarmos o nosso sofrimento, nunca nos uniremos completamente a Ti. Tu sabes que se não carregarmos, conTigo, todo o sofrimento dos nossos irmãos, nunca Te perceberemos a Ti. E ao ouvir de novo as Tuas Palavras de consolação e conforto, de promessa de nos ajudares a levar a nossa cruz, nós podemos seguir-Te, Senhor, queremos carregar todo o sofrimento do mundo, para que nenhuma cruz humana fique de fora deste cortejo da redenção. Nós hoje sabemos que em cada Eucaristia podemos oferecer, conTigo, essa mole gigantesca do sofrimento humano. Não o podemos evitar, mas podemos oferecê-lo e, oferecendo-o, revelar-lhe o sentido.

Afinal, Senhor, a nossa cruz é a Tua Cruz. Por isso hoje, nesta Liturgia, Te podemos seguir, na coragem de quem não renega o Teu caminho da Cruz, mas na tranquilidade confiante de quem o pode percorrer, na serenidade do silêncio da oração, abandonando todo o nosso ser à adoração da Tua Cruz; sentimos agora, que nesse silêncio adorante, abraçaremos o mundo.

Sé Patriarcal, 9 de Abril de 2004


† JOSÉ, Cardeal-Patriarca